vendredi 11 décembre 2009

sarau em Paris


No fim de novembro toquei num café ao norte de Paris. Fizemos uma espécie de “sarau brasileiro”, no qual algumas participações ensaiadas (mas não muito), contracenavam com canjas espontâneas. A base era simplíssima: violão e flauta e mais as vozes femininas.

Diga-se sem nenhum pedantismo que, apesar do esquema mambembe, a coisa funcionou bem. O pequenino café “Aux Copains” ficou abarrotado de gente. Muitos sentaram-se no chão. A música, mesmo quando não era conhecida do público, ficou em primeiro plano durante quase todo o tempo, dominando as atenções. Quando as vozes erguiam-se acima dela, ouviam-se logo reclamações. Tive a sensação de que foi criada uma espécie de comunhão afetiva no local, que a todos colocava na condição de participantes de um evento único, vivo. Nos dias seguintes recebi várias manifestações espontâneas de pessoas me dizendo o quanto haviam gostado daquela noite.

Fiquei pensando: afinal, o que fez o evento realmente acontecer? Decerto, alguns fatores. O menos relevante foi minha performance. Gripado e sem cancha de palco, cantei mal. O repertório ajudou, claro, ao evocar a entidade chameguenta, lânguida e vivaz da musica popular brasileira. A dinâmica de cantoras que se alternavam comigo ao microfone também contribuiu, renovando as atenções (“quem é que vai cantar agora?”). Mas o principal, ao meu ver, ficou por conta da criação de um contexto propício ao encontro em torno da canção. O aconchego do café, a penumbra da luz de velas, a informalidade do evento, a alegria das pessoas, tudo isso participou da música. Porque música não é apenas a execução técnica de uma peça sonora, mas a criação de um acontecimento coletivo. Não havia um palco bem delimitado que separasse o público dos músicos e as próprias canjas improvisadas criavam a impressão de que tudo estava misturado. As pessoas sentiram-se dentro do evento, como figuras integrantes de uma paisagem musical. Já não importava muito se o cantor desafinava um pouco.

Ora, isso aponta para a discussão em torno dos atuais modos de escuta. O assunto é complexo, mas algo me diz que o modelo do ouvinte silencioso, engessado numa cadeira, fruindo atenciosamente da polissemia de letras inteligentes e da sutileza de acordes dissonantes – ao que parece este modelo está gasto. No mínimo, cansado. É possível que o público de hoje, sobretudo os jovens, esteja esperando outra coisa. Talvez a música tenha se tornado – ou tenha voltado a ser – o objeto em torno do qual se constroem encontros. Objeto capaz de criar atmosferas afetivas. O forró e o samba se beneficiam disso. Mais do que estilos musicais para serem ouvidos, reforçaram sua aura de evento (onde se pode dançar, beber cerveja e encontrar pessoas ao mesmo tempo em que se ouve música). Irrequieto e bombardeado de estímulos, o espectador atual seria atraído por algo mais participativo, que o inclua: a música não mais como simples informação sonora, mas como experiência vivida. É possível ver nisso o sintoma de uma regressão da escuta (no sentido de Adorno), de um empobrecimento da experiência musical. Pode ser... Mas podemos também pensar numa revalorização daquilo que o musicólogo John Blacking destacou como qualidade apreciada e almejada na música de certas etnias africanas: a saber, seu “poder de unir as pessoas em irmandade”.


2 commentaires:

  1. Como estou lendo o Som e o Sentido, do Wisnik, lembrei de uma passagem em que ele fala da música modal e de seu aspecto ritualístico. Wisnik cita Marius Schneider, que afirmava que toda "cosmogonia tem fundamento musical". Talvez este espaço bem delimitado entre público e artista já não caiba mais em nosso novo paradigma de sociedade interativa. Hoje já me soa datada a observação de Andy Warhol que dizia que todos teriam seus 15 minutos de fama...

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  2. Salve Rafael!!
    Valeu pelo comentário! Acho que vc tem razão sobre a redefinição desse espaço entre público e artista nos dias de hoje....
    Como andam os seus estudos sobre música? E o CD?
    Grande abraço!

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